Segundo o Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, Pastoral é uma forma de representação dramática, de argumento lendário que teve origem na Itália e preparou a criação da ópera.
O conto Pastoral, de Osman Lins, afirma-se como uma narrativa reveladora da pressão que as normas comunitárias exercem sobre os mais fracos, os mais vulneráveis da comunidade.
A história do menino - que se deixa matar lutando pela preservação do seu objeto de desejo,veicula, nas entrelinhas do enunciado, a denúncia do autoritarismo devastador da lei, representado pelo macho dominador, pela figura do pai.
O relato do narrador-personagem Baltazar não mascara o tema edipiano de que trata, tampouco tenta ocultar o lado impactante de uma iniciação na vida sexual que se torna um espaço de abertura para a morte.
É interessante a forma como é focalizado o incesto, mostrado por meio do "deslocamento", ou seja: na falta da mãe, o objeto do desejo do adolescente é deslocado para a égua Canária que, por sua vez, é também um objeto do desejo proibido pelas leis sociais. Esse deslocamento de uma proibição cultural - o incesto - para uma proibição aparentemente natural - a cópula entre espécies diferentes- remete, da mesma forma, para a área do interdito.
Há também um aspecto moralizante no conto: Baltazar, o rebelde, é punido. Mas, a sua morte se transforma em lição moral. O discurso se compõe de forma a fazer da personagem um herói que se sacrifica por valores mais altos.
Não deixa de ser interessante o triângulo amoroso: Baltazar - Canária - Cavalo, que equivale, metaforicamente, ao triângulo Baltazar - Mãe - Pai.
A morte é um signo de revelação. O Padrinho morto parece outro homem. Baltazar morto descobre o quanto é criança, sem a crispação- gerada pelo medo, pela ansiedade - com que se protegia em vida.
Como no conto Teorema de Herberto Helder, o narrador morto continua narrando, instaurando o fantástico na esfera do foco narrativo:
"Estirado na mesa, sem velas, dedos cruzados. A pele de raposa cobrindo-me as virilhas..."
Osman Lins transgrediu os limites de seu próprio sistema narrativo (primeira pessoa protagonista/visão com) ao conceder ao narrador-personagem os privilégios da onisciência. Este não pode ter uma visão externa de si mesmo, não pode, portanto, dar informações que transcendem os limites do seu estatuto. Ocorre que o "eu", em todas as composições do livro "Nove Novena", mais que o "eu" real é um "eu" ficcional. O autor utiliza-o abstratamente, insistindo em que não lhe atribui função testemunhal, ou confessional. Daí a faculdade dada ao personagem-narrador de se vê e se descrever, através de uma linguagem penetrada de uma realidade que não poderiam ser as suas.
"Nove, Novena" é realizado com ampla e inovadora liberdade, é uma obra ousada. criativa e transgressiva das velhas normas que regem a arte de narrar.
Zenóbia Collares Moreira.
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