7 de setembro de 2011

Comentário do conto "Uma esplanada sobre o mar".


O conto, Uma esplanada sobre o mar, é um dos melhores e mais poéticos de Virgílio Ferreira e, também, um dos que mais se abrem a uma reflexão acerca do eterno drama da incomunicabilidade humana. No caso específico deste conto, tal problema tem a sua gênese nas diferenças fundamentais na forma como cada um dos dois únicos personagens, um casal de namorados, encara a realidade, a vida, o que tem e o que não tem importância e, principalmente, na forma como cada um percebe as coisas que o rodeiam.
A incomunicabilidade entre o rapaz e a moça, que tentam se entender, é evidenciada pela dificuldade em sustentarem um diálogo, dificultado pelas diferenças fundamentais que caracterizam a natureza de cada um e, consequentemente, levam-nos a falarem uma linguagem em tudo oposta a do outro.
Ela é superficial e tem uma percepção limitada, não aprendeu a “VER”, com “olhos de ver”, apenas “olha” o mundo que a rodeia, com um olhar que não ultrapassa a realidade imediata. Ele tem uma percepção abrangente e profunda que o torna capaz de “VER” bem além do se consegue com um simples “olhar”, distinguindo os dois planos da realidade – a objetiva e a subjetiva-, ultrapassando o meramente visível. Assim, no conto, é bem significativa a dicotomia olhar/ver, dois verbos que, apesar de indicarem ações semelhantes, têm significados distintos.
Nestes termos, podemos “OLHAR” sem, no entanto, conseguirmos realmente “VER”. O ato de olhar é superficial, o ver é profundo. Daí, a impossibilidade dos dois jovens de sustentarem um diálogo que signifique um autêntico encontro de consciências que se percebem e se entendem com profundidade. Ele, sabendo que tem pouco tempo de vida, não se desespera. Ao contrário disso, passa a ver o mundo com outros olhos, passa a dar uma importância maior às pequenas coisas da vida, da natureza, de tudo quanto sabe que em pouco tempo irá perder. A revelação do seu médico sobre a sua inevitável morte dentro de, no máximo, três meses, desperta-o para a beleza da vida, leva-o a perceber coisas que antes não percebia ou para as quais não dava importância.
Durante as tentativas frustradas de diálogo entre eles, a expressão que se repete é “coisa importante”. Todavia, a expressão não tem o mesmo valor para o rapaz e para a moça. Ele tem uma visão alargada e profunda, sobre o que é, realmente, importante, enquanto ela tem uma visão limitada e superficial sobre a mesma coisa. O fato de não encararem a importância das coisas com a mesma intensidade provoca distanciamento, incompreensão e dúvidas, que resultam no agravamento da ausência de comunicação entre eles.
O rapaz tem uma atitude constante de observação e de reflexão. Enfim, o fato de saber que a sua vida está se esvaindo, impulsiona-o a ver o mundo como se o visse pela primeira vez, como se tudo fosse uma novidade não percebida antes, mais bela, mais luminosa e mais viva. Ele expressa para a jovem as razões que o levam a adotar esta forma de ver e sentir. Ela não o compreende e fica em dúvida acerca das reflexões do namorado, interpretando sua atitude, inclusive o convite para se encontrarem na esplanada por ter algo importante para revelar, como uma forma de ir ganhando tempo para ter coragem de dizer que quer terminar o namoro.
Se, por um lado, ela não compreende as reflexões dele, por outro lado, ele não responde diretamente às suas perguntas, aumentando a sua ansiedade e as suas dúvidas. Somente no final o rapaz revela que está com os dias contados.“Estava uma tarde cheia de sol. As águas brilhavam até ao limite do horizonte, um barco à vela ia passando pela estrada de lume. O ar estava quente. E a brisa do mar quase não chegava ali”. Com essas palavras, a narrativa é encerrada, remetendo para a simbologia do mar, do sol e do barco, elementos várias vezes referidos no decurso da ação.
Segundo a definição do Dicionário dos símbolos, de Jean Chevalier: “a barca é o símbolo da viagem, de uma travessia efetuada seja pelos vivos, seja pelos mortos”. No conto, o barco representa a travessia do rapaz da vida para a morte. A posição do sol é de declínio no horizonte. É o ocaso, significando a morte metafórica do sol. Há uma referência à estrada de lume que vai até o horizonte, apontando para um caminho de luz para o pôr-do-sol, para o infinito, para o fim da vida, enfim: para a morte. As simbologias do sol e do barco mostram, poeticamente, de que forma os elementos da natureza – o mar e o sol – se identificam com a situação vivida pelo rapaz.

Zenóbia Collares Moreira Cunha 

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