4 de setembro de 2012

Comentário do conto "Os Confundidos", de Osman Lins

A fábula do conto resume-se, praticamente, numa cena de ciúmes. O diálogo gira, assim, em torno da hipotética, porém não confirmada, infidelidade da mulher. A confusão instaurada entre ambos impossibilita, no entanto, que cheguem a um entendimento esclarecedor da verdade buscada por ambos. Confusão esta decorrente justamente da mistura dos discursos e das perspectivas dos dois interlocutores, pois, enredados no próprio emaranhado das suas falas indiferenciadas, tanto o homem, quanto a mulher passam a se confundir.
A sistemática recusa, por parte dos “amantes” confundidos, na condição de sujeitos da enunciação, de fazer uso da segunda pessoa em seus discursos, desvirtua completamente o diálogo e transforma-o num monólogo ininteligível. Eles não mais se entendem, porque roubaram-se, reciprocamente, as individualidades, tiraram, um ao outro, a marca do pessoal.
A distância entre os dois “eus” desaparece. De tão próximos, eles não mais se enxergam como seres distintos: perderam a noção do “eu” e do “outro”. Desta situação resulta a diluição das suas identidades individuais. Cada um é si próprio e também o outro em um caminho que parece sem volta – “Quero sair disto, não foi de modo algum para este sofrimento que meu corpo reagiu à morte. Mas como, se perdi a identidade e não sei mais quem sou? Somos como dois corpos enterrados juntos, corroídos pela terra, os ossos misturados. Não sei mais quem eu sou.”
Aliás, em matéria de condensação de sentidos, "Os confundidos" vão às últimas conseqüências. Por permutação e confusão, as terminações verbais ora separam em dois, ora os fundem num só "eu", ele a acusá-la de infidelidade, ela a defender-se do seu ciúme doentio. Esses amantes a girarem obsessivamente um em torno do outro são passíveis de várias e igualmente ambíguas leituras como figurações da fusão amorosa.

Zenóbia Collares Moreira


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