29 de novembro de 2011

Comentário do conto "A Viagem".


 “A Viagem” é, incontestavelmente, um das narrativas mais sugestivas e sedutoras do livro Contos Exemplares, de Sophia de Melo Breyner Andresen. Configurando-se como uma alegoria da vida, em que a trajetória existencial do homem equivaleria a uma viagem sem regresso, ao longo da qual as coisas vão ficando para trás, tudo desaparece e tudo se vai perdendo, sem que possamos impedir ou recuperar, pois não se pode vivenciar duas vezes as mesmas sensações, emoções e deleites, da mesma forma que nos é vedado passar duas vezes, da mesma forma, pelos lugares do vivido.
Sob a influência da passagem do tempo, tudo se move, se transforma, os seres humanos passam por um processo de mutação irreversível e cruel que termina com a morte.
Ao longo do próprio texto, podem-se assinalar vários indicativos de grande importância para a compreensão e captação do que a autora deseja comunicar (exemplificar). Senão vejamos: os protagonistas são personagens signos, que não possuem um nome próprio a distingui-los, ou seja, são simplesmente um homem qualquer e uma mulher qualquer, representando todo o ser humano.



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Os dois são apenas companheiros de caminhada que, unidos e cúmplices, compartilham uma mesma aventura, só ocasionalmente se diferenciando um do outro, ele mais prático e objetivo na incansável procurar do caminho, ela mais poética e subjetiva, mais preocupada em recolher e carregar consigo as simples coisas que a vida oferece e alguns momentos de beleza, que frui com intenso prazer. Ele é corajoso, é quem conduz a mulher e quem toma as decisões, vê o desaparecimento das coisas como algo normal acabando por lhe dar explicações óbvias. Por outro lado vemos que este também é uma força para continuar, na qual ela se apóia, pois é quem sente medo:

“- Vamos - disse o homem.
- Tenho medo - disse a mulher.
- Estamos juntos - respondeu o homem -, não tenhas medo. E seguiram pelo carreiro”.

Desde o início da narrativa há um sinal de que as várias fases do dia significam as etapas da vida, desde o meio-dia ensolarado com paisagens verdejante até ao ocaso ensombrado em uma paisagem ensombrada e opressiva. Os acidentes ocorridos durante a viagem (o encontro com o cavador, a fonte, a casa vazia, a paisagem paradisíaca, etc.) são metáforas de fatos, vivências e de recordações de ambos.
Logo no início do conto a mulher diz ao homem: “– É o meio da vida”, permitindo que se interpretem as várias fases do dia com o significado das etapas da vida, desde a juventude, o meio-dia ensolarado com paisagens verdejante até a velhice, o ocaso sombrio, em uma paisagem ensombrada e opressiva. Os acidentes ocorridos durante a viagem (o encontro com o cavador, a fonte, a casa vazia, a paisagem paradisíaca, etc.) são metáforas de fatos, vivências e de recordações de ambos, que só podem ser recuperadas pela memória.
Os vários tipos de estradas (largas, estreitas, trilhas, carreiros,etc), algumas com as suas encruzilhadas, são um símbolo da própria trajetória existencial do homem na estrada-vida, suas dificuldades, obstáculos, etc. A simbologia da encruzilhada remonta a uma secular tradição presente em várias culturas, remetendo aos quatro pontos cardeais, indicadores das direções que o viajante poderá seguir: Norte, Sul, Leste e Oeste. No caso do conto, a encruzilhada indica as possibilidades de escolha ou do livre arbítrio (“Surgiu uma encruzilhada. Aí viraram à direita. E seguiram”).
A irreversibilidade de cada escolha ou de cada decisão poderá determinar o destino dos viajantes, até atingirem a finitude duma viagem que segue em frente rumo ao abismo e da qual nada se leva, senão a esperança de outra vida a esperá-los além da morte.
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Zenóbia Collares Moreira



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