A Causa secreta é um dos melhores contos de Machado de Assis e, quiçá, um dos poucos em que faz incursões na área do Naturalismo, devassando as zonas tortuosas e aviltantes das perversões do homem, trazendo à luz a questão do sadismo, abordado com riqueza de detalhes.
Machado elabora uma observação profunda sobre o lado obscuro e abjeto dos sentimentos humanos, acompanhada por uma crítica mordaz à caridade hipócrita.
No conto podemos marcar algumas cenas bastante cruas que revelam o prazer de Fortunato ao presenciar a dor alheia ou ao infringir o sofrimento no outro, considerado por ele como um objeto: o gosto do protagonista pelas cenas sangrentas no teatro, retirando-se nas farsas e representações leves.
Duas outras cenas são marcantes: tinha prazer em dar bengalada em cães que dormiam na calçada, quando vinha dos espetáculos, além da frustração que sentia quando algum doente sobrevivia, como aconteceu com o Gouveia.
A desumana cena do rato sintetiza o alto grau de perversão de Fortunato. Este, ao descobrir que estava sendo observado por Garcia, passa a encenar um jogo do faz-de-conta, fingindo sentir ódio pelo animal, que lhe roubara um papel importante, para que o amigo não o considerasse frio e perverso.
Outra questão colocada no conto é que ao ver as cenas violentas no teatro, projetava nelas o mesmo comportamento perverso que costumava manifestar com os seus pacientes.
O mesmo comportamento é repetido no caso do rato: a simulação do sentimento de ódio pelo roedor equivale à indiferença com que tratou Gouveia, quando este o procurou para agradecer pela "dedicação".
No final da narrativa, a manifestação de sadismo é chocante. Fortunato, ao surpreender Garcia beijando Maria Luísa, assume, sem nenhum pudor, o torpe papel de observador ativo, postado à distância, apreciando a cena, sem o mínimo sentimento de ciúme ou de indignação com a possibilidade traição do amigo. Ao contrário disto, Fortunato fruiu prazerosamente aquela dor “deliciosamente longa”, gozando aquele momento de intenso prazer.
De todas as dores que havia testemunhado, ao longo dos anos como médico do hospital, nenhuma lhe dava mais prazer do que a dor da alma. Portanto, o motivo que o estimulava a fazer tanta caridade nunca foi o desejo de ser útil, o gosto em prestar ajuda aos seus semelhantes, mas sim o interesse em satisfazer o seu prazer perverso de presenciar o sofrimento dos outros. Esta era a “causa secreta” que movia as ações de Fortunato.
Vale ressaltar a forma hábil como Machado de Assis disseca um comportamento doentio, hipócrita, capaz de dar origem a ações altruístas que aparentam ser uma manifestação de imensa bondade e de abnegada dedicação aos que sofrem. Este é uma questionamento recorrente na obra do autor, empenhado em enfatizar um fato que, para ele, traduz uma verdade irretorquível: a absoluta oposição entre a aparência e a essência.