1 de outubro de 2011

Comentário do conto Darandina de Guimarães Rosa

Darandina é um conto que transita do anedótico ao satírico. Seu título é mais um dentre os muitos neologismos criados pelo autor, no caso desse conto para significar atrapalhação, confusão. Inserido na coletânea de contos intitulada Primeiras estórias, a narrativa tematiza a loucura e questiona os limites entre esta e a normalidade. 
A ação desenvolve-se numa praça vizinha do hospício de uma pequena cidade não especificada, na qual um acontecimento inusitado revoluciona o cotidiano sossego do lugarejo, ou seja: um sujeito trajado com apuro e de ótima aparência rouba uma caneta, é surpreendido e, para fugir dos seus perseguidores, protagoniza um episódio espantoso que deixa perplexas as pessoas reunidas na praça: consegue subir, sem nenhuma dificuldade, uma alta palmeira e se acomoda no seu topo. 
Embaixo, os moradores da região acompanham atentamente os improfícuos esforços das autoridades, para convencerem o homem a voltar para o chão. Obstinadamente, ele resiste aos apelos, proferindo frases desconexas, enquanto despe toda a roupa, demonstrando extraordinário equilíbrio físico. 
Diante da situação vexatória em que se colocara o insano, um médico resolve subir pela escada dos bombeiros para tentar um dialogo. Todavia, logo percebe que o desvairado recuperara a lucidez e que, cheio de vergonha e constrangimento, pedia para ser socorrido. 
A multidão, sentindo-se ludibriada e privada do espetáculo, não aceita essa súbita sanidade e se dispõe a linchá-lo. Sentindo-se em risco, o ex-louco tem (ou finge) outro ataque de insanidade, gritando palavras de louvor à liberdade, motivo suficiente para a multidão viajar no delírio, aplaudi-lo e levá-lo nos ombros, como um herói. 
Essa insólita história passa a ser o ponto de partida para discussões, discursos, comentários em torno da loucura. O leitor se vê, assim, diante de um protagonista doente mental que profere frases desconexas, supostamente filosóficas e proféticas, capazes de levar a multidão de ouvintes ao mais exacerbado delírio. O que parecia um acontecimento trágico resvala para o plano do anedótico, da comicidade. Com efeito, instaura-se o tragicômico espetáculo da loucura coletiva, para o qual inexistem elementos lógicos que o possam explicar. 
Vale ainda ressaltar que, enquanto o homem faz espetáculo de sua loucura no alto da palmeira, as pessoas que estavam no chão assumiam comportamentos estranhos e avizinhados da insanidade, ou seja: a absurda e vazia discussão dos especialistas acerca da determinação da loucura do sujeito da árvore, quando o mais importante seria encontrarem uma solução para o impasse. Também não é menos insano o espetáculo de uma cidade inteira parada para seguir todas as etapas do desvario do desconhecido surtado. Todo esse conjunto de fatos justifica que se questione a tênue fronteira entre a normalidade e a loucura.
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Zenóbia Collares Moreira
Imagem banner: Andrea Mancine.  
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Um comentário:

zenobia collares Moreira cunha disse...

Olá, Lê.
Visitei seu blog e deixei recado. Obrigada pela visita, pelas palavras amáveis e pelo convite. Bjs.