Da mesma forma que Machado de Assis transitou do romantismo para o realismo em seus romances, também nos seus contos ele realizou a mesma mudança: de romântico ele passou a realista.
Como adepto do realismo literário, o escritor revelou uma notória preocupação com a análise das personagens, mais do que com a ação, como pode ser observado no conto “O relógio de ouro”, no qual, alia o humor à ironia para criticar o ser humano e suas fraquezas, suas idiossincrasias, suas mesquinharias e complexidade psicológica.
“O relógio de ouro” tem como núcleo narrativo o drama conjugal vivido por Clara e Luís Negreiros, tumultuados pela recíproca desconfiança de adultério provocada por um relógio de ouro masculino, encontrado pelo marido na alcova do casal. A partir daí, instaura-se o suspense e a dúvida que se prolongará até o surpreendente final do dramático conflito.
A situação ambígua e tensa vivida pelo casal é nutrida pelo próprio narrador que prodigaliza indícios capazes de levar o leitor a supor que Clarinha é, de fato, adúltera. Seus gestos, seu laconismo, sua recusa em responder aos insistentes questionamentos do marido, indignado e beirando um ataque de nervos, que exige que ela confesse uma culpa, sem desconfiar que está equivocado, pois é ele o verdadeiro adúltero, e a esposa tem as provas de sua infidelidade.
O próprio narrador fortalece a ambigüidade resultante do comportamento silencioso e esquivo de Clarinha, na medida em que este, mesmo fruindo o estatuto da heterodiegese e da onisciência que lhe é adstrita, jamais se revela conhecedor dos sentimentos e pensamentos da protagonista, enquanto tem conhecimento pleno do que sentem e pensam Luís Negreiros e Meireles (pai de Clara).
As atitudes ambíguas de Clarinha derivadas dos seus silêncios, seus choros, sua tristeza, sua sistemática recusa aos afagos do marido, sua insistência em não explicar a origem do relógio, abre espaço alargado para reforçar as suposições que pesam contra ela. Nestes termos, todo o suspense da narrativa concentra-se em Clarinha. Todavia, a chegada de Meireles, pai da protagonista, parece propiciar uma explicação lógica para o enigma em torno o nefasto relógio, ao lembrar o aniversário do genro no dia seguinte. Tal lembrete causa súbita alegria em Luís Negreiros, mas, por outro lado, o leva a um novo equívoco ao supor que o cronômetro seria um presente da esposa para ele.
Parecia que o conflito chegaria ao fim. Ansioso pela saída do sogro, Luís Negreiros, logo que se desvencilha da visita, corre em busca da mulher, para penitenciar-se por ter duvidado dela. Neste ponto, leitor e marido já dão por encerrada a pendência entre os cônjuges. Ledo engano. Outra surpresa aguarda Luís Negreiros que, perplexo e indignado, ouve a recusa da esposa de fazer as pazes com ele e, mais uma vez, recusa-se a dar as respostas exigidas por ele, retirando-se do quarto, deixando-o atônito:“Não me atrevo a descrever o soberbo gesto de indignação com que Negreiros olhou para ela sem compreender nada. A moça não disse uma nem duas palavras; saiu do quarto e deixou o infeliz consorte mais admirado que nunca.
"- Mas que enigma é este? perguntava a si mesmo Luís Negreiros. Se não era um mimo de anos, que explicação pode ter o tal relógio? Novamente, os gestos da moça prevalecem e expõem a explicação frágil do aparecimento do relógio, instaurando mais uma vez a suspeita diante da mulher”.
O suspense que parecia resolvido, volta com mais força, trazendo em seu bojo todas as desconfianças que recaiam sobre Clara. Pela última vez, o marido que se julgava injuriado, interpela a mulher:
“— Clarinha, disse ele, este momento é solene. Responde-me ao que te pergunto desde esta tarde? A moça não respondeu.
— Reflete bem, Clarinha, continuou o marido. Podes arriscar a tua vida.
A moça levantou os ombros.
Uma nuvem passou pelos olhos de Luís Negreiros. O infeliz marido lançou as mãos ao colo da esposa e rugiu:
— Responde, demônio, ou morres! Clarinha soltou um grito.
— Espera! disse ela. Luís Negreiros recuou.
— Mata-me, disse ela, mas lê isto primeiro. Quando esta carta foi ao teu escritório já te não achou lá: foi o que o portador me disse. "
Luís Negreiros recebeu a carta, chegou-se à lamparina e leu estupefato estas linhas:
"Meu nhonhô. Sei que amanhã fazes anos; mando-te esta lembrança Tua Iaiá."
Vale lembrar que, no século XIX, era comum e considerado legítima defesa à honra o assassinato da esposa adúltera pelo marido ultrajado. É neste ponto que sobrevem o surpreendente desfecho do drama com a revelação do mistério do relógio. A entrega ao furibundante marido que a ameaçava de morte, de um bilhete comprometedor, interceptado por ela, ao receber o relógio, na verdade enviado pela amante do marido. Ali estava a prova insofismável e desmoralizante da culpa de Luís Medeiros, bem como a causa motivadora das atitudes de Clarinha .
A situação dramática que se instaurou entre o casal, não deixa de ter certa dose de humor, bem ao estilo machadiano, desencadeada pelo equívoco e pela espalhafatosa atitude do marido traidor, exigindo da mulher inocente a confissão de uma torpe prevaricação que era praticada por ele.
O conto põe em questão o casamento burguês e a situação da mulher casada na sociedade patriarcalista novecentista, na qual o adultério da mulher era razão suficiente para justificar e deixar impune o marido, se este a matasse na defesa honra manchada.
Para finalizar, vêm as perguntas que não querem calar: O que motivou Clarinha a esconder o bilhete, ou, deixar de mostrá-lo ao marido no momento em que este começou a submetê-la a interrogatórios humilhantes e injuriosos? Por que optou pelo silêncio que lhe propiciou tantos vexames e tortura mental, impingidos por um marido infiel e hipócrita que, arrogantemente, lhe lançava em rosto uma acusação injuriosa e injusta, da qual ela era inocente?
Responder a tais indagações requer que façamos inferências na área da interpretação, sem compromisso de assegurar a certeza sobre o que opinamos. Porém, vários indícios textuais leva-nos a crer que Clara tinha objetivos bem definidos, julgados infalíveis, para obrigar Luís Negreiros a descobrir que era ele o infiel, era ele o hipócrita que levava uma vida dupla, já do conhecimento dela. Tal descoberta o levaria ao desmascaramento e à perda da fama de marido impecável, fiel e honesto que lhe era atribuída no meio social. ______________________________
Zenóbia Collares Moreira
4 comentários:
Este conto foi surpreentende maravilhoso
Você escreveu Luis Medeiros, no fim do texto, que é ótimo, por sinal! :D
Comentário bastante convincente, com argumentos.
é bom mais eu quero uma ficha literária trabalho da escola mais tá bom ajudou bastante
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