Uma vela para Dario”, de Dalton Trevisan – foi extraído do livro “Cemitério de Elefantes” (1964).
É a estória de Dario, um cidadão comum que passa mal na rua e agoniza. Vem por uma esquina e encosta-se numa parede. Alguns passantes perguntam se não está bem, mas Dario já não tem forças para responder. As pessoas que passam se acercam da cena e um senhor gordo repete que Dario caíra e deixara cair seu guarda chuva e seu cachimbo, que já não mais estão ali. Arrastam-no para um táxi, mas ninguém quer pagar a corrida. Cogita-se em chamar uma ambulância e Dario já não tem seus sapatos nem o alfinete de pérola na gravata. Dario continua à mercê daqueles que o cercam e alguém fala da farmácia, mas é no outro quarteirão e pelo seu peso, as pessoas desistem de levá-lo. É abandonado em frente a uma peixaria. Aparece mais um que se prontifica a ajudá-lo sugerindo que lhe examinem os papéis. Ele é revistado e ficam sabendo quem ele é, mas ninguém resolve nada. Chega a polícia e a cena é cercada de uma multidão de curiosos. Dario é pisoteado e o guarda não pode identificar o seu cadáver. Ainda lhe resta a aliança de ouro que Dario só conseguia tirar molhando com sabonete. Fecha-se a estória sem que a esperança de humanidade seja possível.
Claro que as pessoas se aproximam e tentam ajudá-lo, algumas levadas pela curiosidade mórbida, outras para roubar seus pertences e outras apenas porque apreciam o incidente – o autor mostra as várias tentativas que alguns fizeram de tomar alguma providência que de nada adiantaram, foram em vão, pois, na verdade, nenhum dentre os presentes chegou a assumir o problema. Houve apenas “pseudo-ajudas”, ajudas que não resolveriam o caso, ajudas paliativas, gestos infrutíferos, mínimos, quiçá para evitar eventuais culpas.
Esse é um dos contos mais famosos de Dalton Trevisan, e representa a degradação da morte em um ambiente urbano. A multidão assiste durante horas a sua agonia, movida pela curiosidade, sem um traço de piedade. É um anônimo, assim como a multidão que o cerca, sem esboçar o mínimo gesto de solidariedade, de compaixão ou respeito humano. Dario é completamente saqueado, desrespeitado e abandonado. Só o gesto do menino ameniza a miséria e a desumanidade do desfecho. “Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver” (...)
Uma vela para Dario é uma crônica que pode ser classificada como atemporal, cujo enredo imita o cotidiano, ao relatar um fato que possivelmente aconteceu e acontece nas grandes cidades brasileiras. Trevisan ilustra a sociedade atual que, na injunção de seus problemas sociais, econômicos e culturais, passa a tratar com “naturalidade” desconcertante acontecimentos que deveriam ser motivo de solidariedade por parte dos cidadãos civilizados. Ao se observar o texto, encontra-se, em cada momento da narrativa, a tônica da solidariedade. (ou da falta dela). Dario morre lentamente sem que ninguém faça nada para salvá-lo – é a realidade “nua e crua” das cidades, que vem comprovar as pseudo-ajudas dadas até então e ao se desfazer o conflito - Dario morre e fica sem os seus pertences – ratifica o sentido mais geral do texto que é a falta de solidariedade humana. Mas o autor, demonstrando que ainda acredita no próximo, insere no desfecho um personagem infantil que, numa leitura superficial, leva o leitor a pensar nas características da infância, como a inocência e a possível não contaminação de seus atos pela dureza de sentimentos demonstrada pelos outros personagens - as pessoas voltam a sua rotina, um menino de cor acende uma vela que se apaga com as primeiras gotas de chuva.